Desenvolvimento moral
A ética hoje é encarada como atribuição por demais importante para o cidadão moderno. Não se discute a sua actualíssima relevância, principalmente na educação. Aqui fazemos análise acerca da ética na infância, período em que temos o início do processo de assimilação das regras sociais que irão moldar o futuro adulto.
E aqui cabe uma indagação: a criança possui ética?
Sem dúvida, a criança possui um comportamento permeado de regramentos sociais, que tranquilamente podemos afirmar que, tanto a ética quanto a moral, fazem parte da vida do infante.
Seja em casa, na escola ou em outros espaços colectivos, a criança passa por um processo de absorção de normas de comportamento semelhante ao dos adultos. DeVries e Betty Zan dizem que a forma de abstracção dessas regras é igual nos adultos e nas crianças. Contudo, está na motivação a diferença entre a moral infantil e a adulta.
Nós, os adultos, obedecemos a regras morais em razão de possuirmos "princípios auto construídos" neste sentido. Nós vivenciamos e acabamos por perceber dialecticamente a importância da moral. Já a criança assimila normas morais por medo, promessa de recompensa ou apelo à cooperação (DE VRIES & ZAN, 1998). Não há nela qualquer profundidade na relação da criança com a moral.
Ou seja, o processo de assimilação dá-se da mesma forma: colectivamente, mas a motivação se dá de maneira diferente.
Outra diferença está na força social exercida sobre o adulto e a criança.
A essa pressão colectiva Emile Durkheim chamou de coerção social. Ele nos diz que se trata de um fenómeno capaz de até, inconscientemente, nos forçar à adopção de determinadas ideias e comportamentos. Por advir do grupo social, esta força descomunal também acaba por atingir as crianças. Mas a elas a coerção atinge de maneira mais proporcional ao seu universo social (menor mais específico e quase limitado à família).
E quando inicia esse processo de absorção pelas crianças? Em que momento a criança passa a conhecer as normas éticas e manter relação mais directa e consciente com ela?
Esta indagação nos é útil, sob o ponto de vista científico, pois o homem possui um processo de consciência social evolutivo, havendo a necessidade de sabermos em quais momentos passamos a melhor compreender as normas sociais.
Nesse sentido, Piaget nos diz que a criança possui duas fases distintas de abstracção das regras morais, cada uma delas possuindo características diferentes de interacção.
A primeira etapa, Jean Piaget entende que começa quando a criança possui mais ou menos cinco anos de idade. É nesse momento que o psicólogo percebeu que o(a) menino(a) começa a notar a existência de normas morais. Contudo, Piaget concluiu que ela vê as regras sob um plano apenas obediente, respeitoso, sem questioná-lo. Observando o comportamento de suas três filhas, Piaget entendeu que se trata de uma relação em que a criança sabe que a regra moral existe, mas não possui grau de consciência suficiente para questioná-la (autonomia). Nessa fase a aceitação das normas morais pela criança se dá de maneira passiva, sem intervenções críticas. A aceitação é quase mecânica, sem notar-se quaisquer ponderações ou justificativas para essa aceitação. Daí a criança entender que está fazendo "a coisa certa" pela simples observação da norma. Ou seja, a criança entende que, respeitando a regra, ela estará "fazendo a coisa certa".
Aqui podemos dizer que a criança acaba por assimilar a moral através do apelo da família à cooperação, medo ou desejo de recompensa, mas sem questionar as regras morais. Tudo dentro de seu meio social mais limitado.
No adulto a absorção da moral e da ética se dá pela acção da coerção social e pela consolidação de princípios morais no indivíduo.
A coerção social sobre o adulto se dá de maneira muito mais forte. Porém é inegável que há a acção de uma força colectiva sobre a criança para fazê-la obedecer às regras morais. Piaget concorda com isso. A criança acaba absorvendo o regramento social de uma forma coercitiva, por uma força social irresistível. Porém, de uma forma mais localizada, específica.
LA TAILLE observou que, nesta fase, a criança vê a moral como parte de todo o "universo físico", entendendo que a regra existe porque as coisas são assim mesmo, que tudo faz parte do mundo e assim deve ser. Todavia, o processo de aceitação pela criança se dá de forma passiva, sem a objecção ou crítica comum ao adolescente/adulto (2006).
Importante lembrar que aqui a criança não possui uma "consciência moral". Ela não questiona o problema.
Na prática, isso significa que a criança tão somente sabe que furtar algo do colega não é correcto, mentir não é bom, mas não há um avanço para estabelecer um juízo crítico sobre o assunto.
Mais adiante, já com dez ou onze anos de idade, a criança passa para uma etapa de evolução e maior interacção com seu meio social. Normal que nesta fase o processo de relação com as regras morais também sofresse alteração na criança.
LA TAILLE (2006), interpretando a obra piagetiana, nos diz que nesta fase a criança passa a ser um agente do universo moral, vindo a defender e até estabelecer novas regras morais.
Nesta etapa do desenvolvimento moral, a criança passa a ser um agente questionador da moral, deixando a fase passiva para trás. A crítica é a expressão mais forte e marcante do período. Inegável que haja uma consciência maior acerca do real valor da moral.
Com essa idade a criança entra na antessala da vida adulta: adolescência. Aqui as normas sociais são intensamente questionadas.
Estas são as duas etapas por que passa a criança em sua relação com a moral. Elas foram observadas pelo psicólogo e filósofo Jean Piaget. Sua contribuição, inclusive, para o estudo, não só da questão moral, mas de todo o processo cognitivo da criança, foi algo inegável. Muito do que sabemos acerca da inteligência infantil devemos a Piaget. Ele que devotou grande parte de sua vida profissional observando o comportamento das crianças, merece a nossa admiração. Ele faleceu no final do século passado (1980).